O retrógrado e burro sistema educacional brasileiro e o desvirtuamento dos conceitos de inteligência

05/10/2013 16:32

    Lembro que nunca dei muita atenção para o que a escola ensinava, e ainda era tachado de irresponsável por isso. Eu e muitos colegas sempre perguntávamos – e esses casos se tornaram cada vez mais frequentes -, por qual motivo tínhamos de realizar uma equação exponencial, por qual motivo tínhamos de saber qual tipo de substância é utilizada como fonte de energia primária e qual substância era reservada para substituição energética no organismo humano; sempre perguntávamos por qual motivo – e em que isso nos ajudaria no futuro, ou ajudaria a sociedade (esses, que se preocupavam em ajudar a sociedade estavam em menor número) – tínhamos de saber a classificação dos períodos da pré história (paleolítico, neolítico e idade dos metais), e sempre a resposta do professor era a mesma: para passar de ano e passar no vestibular – o dilema aqui abordado também tem seu inicio aí, na resposta do professor. Passar? Vestibular? Mas que palhaçada é essa? Por qual motivo tenho que sacrificar toda minha disposição física e mental, chorar lágrimas de sangue e praticamente fazer pactos com o demônio para ter direito a uma boa universidade? Achei que já tivesse esse direito (Constituição Federal, Art. 6º - “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o lazer, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”) – tecnicamente eu tenho esse direito, afinal, pertenço a uma família de classe média que tem condições de bancar meus estudos. Agora me pergunto: e se eu fosse um jovem morador de favela? Teria essa chance? Uma reflexão que deixo para vocês...

    Certamente se lembram que grande parte do dilema abordado nesse texto, começa na velha resposta dos professores de ensino médio: “vai usar isso para passar de ano e para passar no vestibular”. Uma resposta vaga, e toda resposta vaga é burra, é motivada por algo burro e gera burrice. Se muitos de vocês, caros leitores, acham que vivemos em um sistema educacional perfeito, que nos livra de máscaras ideológicas e permite alcançar certos objetivos utilizando como meio o esforço pessoal, irei lhes despertar desse sonho alienante agora mesmo. Estudantes são pães de trigo colocados em uma forma e posteriormente num forno para assar, de acordo com as expectativas de quem está assando esse pão. Vocês estão sendo instruídos para serem fantoches; instruídos a aceitar ordens sem questionamentos. É esse o vergonhoso sistema educacional brasileiro.

    Mas os indivíduos que sustentam e/ou apoiam esse sistema correm grandes riscos e são tão imprudentes, que não percebem que, ao sustentar e manter em vigor um ensino que prega o ócio em relação a questões de interesse sociopolítico e jurídico e ensina o indivíduo a ser passivo e aceitar ordens sem questionamentos, estão criando uma verdadeira bomba que pode explodir a qualquer momento – e quando essa bomba explodir, todos nós, independentemente de nossa classe social, teremos problemas graves; ah, aí sim os indivíduos alienados de classe média – que entorpecem nossa paciência com aquela constante e repentina frase: “o Brasil é um caos” -, conhecerão o verdadeiro caos. E sabem quando essa bomba pode explodir? Em duas ocasiões. Na primeira hipótese, temos a suposta chance de alguma espécie de intelectual maluco, frio e calculista subir ao poder e incitar a massa contra qualquer tipo de classe - ou para a infelicidade de quem apoia essa educação que obscurece a vista, confunde o cérebro e tapa os ouvidos -, contra as próprias classes que sustentam e apoiam essa educação alienante. A mesma massa que será incitada é a massa que recebe ordens sem questionar; e como ela aceita tudo e não questiona, não haverá exército capaz de contê-la. Poderemos, num caso mais extremo, presenciar uma nova espécie de genocídio. Como nosso grande professor de ética e epistemologia aplicada, Cauê Nogueira, disse em uma de suas mais marcantes aulas: “o canhão poderá apontar para os oprimidos, mas também poderá apontar para a classe que manipula”. Oras, se duvidam de tal coisa, busquem na história evidências de malucos que incitaram multidões já alienadas a cometer absurdos: Hittler conseguiu incitar todo o povo alemão contra os judeus (e os episódios de resistência contra o genocídio judeu, por parte de civis ou militares alemães, foram poucos). Temos outro exemplo bem interessante, e não tão antigo: um líder religioso que incitou uma multidão inteira de seguidores a ceifarem a própria vida em nome de suas crenças. Enfim, acho que já deixei bem clara a primeira hipótese em que a nossa bomba pode explodir...

    Na segunda hipótese, temos o fato de alguma hora, todos os indivíduos que compõem essa massa alienada “acordarem”, e creio que isso não vai ser nada “legal” (para os que estão sustentando esse sistema educacional, claro). Oras, convenhamos: se vocês acordassem de um estado de alienação e descobrissem que uma determinada cambada estava educando-lhes de modo que se tornassem fantoches, como ficariam? Matariam os desgraçados, no mínimo; e garanto que grande parte das vitimas dessa educação que robotiza e aliena irão cogitar essa hipótese quando “saírem da caverna” – e eles não são qualquer turma de idiotas que decidiu se rebelar de forma aleatória; eles compõem grande parte dos brasileiros que ainda tem disposição para lutar por algo, pois em sua maioria, ainda possuem os benefícios da idade jovem, e como sabemos, antes de atingirmos a velhice, romantizamos nossas causas. Uma causa romantizada é uma causa forte, que fortalece os indivíduos apaixonados pelo ideal.

    Ah, lembro que quando estava no ensino fundamental, era comum alguém falar para os meus pais coisas do tipo “nossa, como seu filho é inteligente”, “nossa, como seu filho pega as coisas rápido, já está fazendo contas de multiplicar”. Um minuto apenas! Quer dizer que sou inteligente só porque decorei tudo que o professor falou e escreveu em frente a um quadro-negro ridículo? Sinto muito mas eu não chamo isso de inteligência – aliás, se isso é inteligência, devo ser bem burro. E vou mais adiante: o conceito de inteligência é amplo, e está entre os conceitos que mais sofrem mutações (inclusive, uma das teorias mais conhecidas, acerca da inteligência, foi desenvolvida pelo psicólogo Howard Gardner, onde o mesmo afirma existirem inúmeros tipos de inteligência, e não um único tipo de inteligência que engloba todas as formas de aprendizado, reprodução e criação, como afirmam muitas pessoas). Portanto, viram que é um tanto arriscado proferir que determinada criança (ou determinado adolescente) é inteligente unicamente por ter “decorado” algo escrito ou falado. A questão é que uma sociedade imbecil alienou os diversos conceitos de inteligência, assim, criando um conceito excludente, perverso, retrógrado e burro – e tal conceito, está indiretamente ligado com o vergonhoso sistema educacional brasileiro. É muito simples compreender esse conceito: fez a lição de casa? Tirou nota máxima em uma matéria, mesmo não gostando dela? Passou no vestibular? Entregou o trabalho de acordo com todas as regras de digitação ditadas pelo professor? Parabéns, você é inteligente. Isso é hilário... Além de os imbecis estarem confundindo, em determinado aspecto, inteligência com esforço e capricho, estão praticamente dizendo que se comportar como um robô que simplesmente absorve e reproduz o que absorveu é sinônimo de inteligência. Compreendem o que quero dizer? Bom, posso não ser um gênio, mas sei que esse tipo de coisa não pode ser chamado de inteligência, pois esse tipo de coisa é retrógrado, e tudo que é retrógrado, vai de encontro à essência de todos os conceitos de inteligência existentes – são antônimos. Pois bem, certamente se recordam que essa alienação dos conceitos de inteligência também causa ações de exclusão. Essa é uma verdade inquestionável, afinal, o que se esperar de um julgamento que lhe atribui sinônimos de burrice quando você deixa de responder as questões de uma prova de acordo com o que foi imposto pelo sistema educacional? Ah, e pelo amor de Deus – não estou dizendo que se deve julgar correto afirmar que uma aranha pertence ao filo dos mamíferos - a questão em pauta é: por qual motivo eu, que sinto tanto desgosto por biologia (usemos como exemplo uma pessoa que odeia biologia), sou obrigado a aprender isso? “Para passar de ano e passar no vestibular”, dizem muitos professores – isso quando não dizem coisas do tipo “em algum momento de sua vida, terá de utilizar isso”. Bom, são afirmações questionáveis. Primeiramente, pelo fato de essa questão de passar de ano ser bem relativa: se o individuo não gosta de determinada matéria, sentirá mais dificuldades em passar de ano por culpa dessa matéria. “Mas basta se esforçar, que você passa; isso é desculpa para não estudar, deixa de ser preguiçoso”, dizem muitos professores. Bom primeiramente, caro professor, é óbvio que se você não gosta de algo, sentirá preguiça para realizar atividades ou estudos em relação a esse “algo”. Em segundo lugar, concordo que se determinada pessoa se “esforçar”, passará de ano. Mas se empenhar em algo que foge dos gostos demanda mais tempo, e esse tempo perdido poderia ser utilizado para desenvolver habilidades em áreas do conhecimento que agradam esse suposto estudante que odeia biologia. Assim, a sociedade teria mais um especialista em alguma área especifica (ou em diversas, caso ele tivesse a chance de se dedicar apenas às áreas que lhe agradam) – e não um qualquer com conhecimento praticamente nulo em biologia e conhecimento parcial em outras áreas - todos nós sairíamos ganhando com isso. O sistema educacional, além de contribuir para a alienação do conceito de inteligência, se comporta de maneira egoísta; não sente uma mínima preocupação com o desenvolvimento social.

    As escolas (quase todas), dizem que seu interior é o espaço correto para discussões, debates e aprendizado – uma bela jogada de marketing. Outra coisa bem questionável... Que espaço aberto para discussões é esse, que simplesmente não nos permite discutir? Lembro que na minha época de ensino médio, se haviam discussões, eram nas aulas de filosofia e sociologia. E quando você questiona, simplesmente corre o risco de ser tachado como teimoso e revoltado – isso quando o professor não perde a paciência e confunde suas virtudes de questionador com vícios de um desobediente que está cometendo um desacato, e te força a se retirar da sala – acreditem, já vi isso acontecer. E sabem o mais intrigante? Muitas pessoas ainda são forçadas a conviver com “coleguinhas” que vivem proferindo frases do tipo “aula de filosofia? Não! Odeio filosofia. A filosofia é inútil, tomara que ela inexista” e que no final, não percebem que a filosofia e a sociologia são as únicas matérias que podem abrir seus olhos e qualifica-los para derrubarem a imposição que lhes força a aprender a matemática que tanto odeiam. E o mais hilário, é que são desinformados, pois se estudassem história, saberiam que o governo militar brasileiro, durante a ditadura, ordenou a retirada da filosofia da grade curricular do ensino médio, pois ela era a responsável por fazer as pessoas pensarem e questionarem.

    Enfim, a vida é curta e a espera é longa, e preciso escrever mais coisas antes que minha vida acabe. As demais reflexões deixo para vocês...