Espelho
Entre artigos de lei e uma videochamada
Um dia desses, plena madrugada,
Ouvi passadas firmes no corredor
E da sombra surgiu a imagem doce
do menino sonhador.
Conservava traços de recém nascido
olhinhos de jabuticaba, pescoço encolhido
chegou manso, olhou e nada disse
imaginando tudo o que viveu até a velhice
O menino era gordinho, de roupa curta e cabelo mal cortado
Bochechas rotundas e narizinho arrebitado
E ali permaneceu a figurinha infantil
Olhar interessado, sem falar nenhum piu
Nos olhamos por um tempo,
Mas as obrigações raptaram meu sentimento
E voltei às tarefas diárias, estudo e trabalho,
Dessas que a gente resolve sem atrapalho
Após algum tempo, o menino quis falar
Tentava dizer coisas pra me aconselhar
Focado nas tarefas, nem pensei escutar
Porque conselho de menino, pouco ia acrescentar
Havia coisas úteis que eu precisava fazer
Adulto, nada mais tinha a aprender
Em vão ele gritava, tentando fazer entender
Que ele era eu, antes de embrutecer
Assim perdi a chance de conversar com a melhor versão de mim
Por coisas que, em verdade, eu nem estava tão a fim
Restou a imaginação do que o menino eu iria dizer
E a decepção do que vai virar, quando ele crescer.